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O metrô e o belo e o feio de Amélie Nothomb

Hoje terminei meu primeiro livro de metrô. É um livro de metrô porque foi lido entre esperas subterrâneas entre estações, enquanto meu corpo desaparecia do universo para ressurgir em outro ponto da cidade. A melhor forma de desaparecer é dentro de livros, disso não há dúvidas. Nesse sentido, combinar o metrô e a literatura geram um desaparecimento duplo, e faz com que possamos estar no subterrâneo das coisas em todos os seus sentidos, o que é fantástico.

Dentro de um carro, não se pode desaparecer. Pelo contrário, cercado por todos os cantos por todo um dicionário de psicopatias, e por cima por radares e outros pássaros eletrônicos, estar em um carro é o exato oposto do desaparecimento. É um aparecer extremo e exaustivo de si mesmo.

De todo modo, o livro era o Péplum, da Amélie Nothomb. Sobre um arqueólogo do futuro que teria sido o responsável pela erupção sobre Pompéia, e que sequestra uma jovem escritora belga do século XX que teria descoberto seus planos, e mais uma série de coisas que não devem ser descritas, e de todo modo, não é meu ponto. Meu ponto é que em determinado trecho da narrativa, a escritora sequestrada determinada que tudo aquilo não poderia existir, todo aquele mundo incrível e absurdo e genocida e violento e pragmático que ela descobria no século XXIII, e que não poderia existir pelo simples fato de que no fim das contas, apenas podem existir as coisas que são belas.

Não sei se todo o não-belo, se todo o feio desaparece do mundo pelo fato de ser feio, e de fato me parece que antes de se fazer o feio desaparecer, há ainda outra opção, que é a de fazer do feio o motivo de uma existência heroica, e afinal uma pessoa pode viver belamente da destruição das coisas que considera feias, seja lá como ou com que dicionário suas feiosidades e belosidades são definidas e exemplificadas. No mais, o que me espanta é que no fim das contas, se por um lado há tantas explicações para o mundo, tantas psicanálises, ovos e galinhas brotando eternamente da terra, tantos deuses e bíblias e grandes montanhas andinas que um dia caminhavam pela terra, no fim das contas, essa também é daquelas que servem.

Em outras palavras, viver me parece cada vez mais ser olhar para o outro lado diante daquilo que algo dentro de mim entende que é feio (a estética, a estética, nada tão ágil, nada tão rápido no gatilho do faroeste que é o cérebro quanto a estética). Depois até pode chegar a razão, com toda a sua gorda e arrastada lentidão, e fazer sua crítica socialista as definições de feio e de não-feio, mas isso porque a crítica socialista é ela também o belo, pois a razão e todo o iluminismo no fim das contas consistem em grande parte justamente na tentativa do sequestro do belo pelo racional. E o que não é a razão senão uma grande mistura de pensamentos demorados e impulsos estéticos impensados, sofismas que tentam transformar tudo o que é feio e torto e mesmo o próprio belo em algo belo, porém com rótulos intelectuais e portanto, também ainda mais belos?

Olhar para o outro lado é sempre uma das opções, pois a outra é destruir o que é feio. Nesse sentido, imigrar também pode ser destruir, assim como destruir também é reconstruir. Na mente de quem parte ou de quem foge, sempre ficam escombros, e toda uma grande operação de reconstrução que tenta fazer com que tudo tenha as devidas cores e os sons dos devidos pássaros e fontes. A nova construção costuma se chamar memória, e seus concretos são tão maleáveis que se transformam com a força das betoneiras e dos altos-fornos do pensamento.

Aliás, nada é tão recorrente quanto olhar para o outro lado e tentar encontrar uma maneira bela e sem arestas de todo o feio que se vê no mundo, e que é quase que todas as coisas, e por isso toda a dificuldade em combinar o mundo com os sapatos e com a cor dos olhos.

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