Um redator, ao saber da notícia do ocorrido, não hesita na hora transformar os fatos em palavras. Um trabalho que exige criteriosa seleção, sem dúvida, já que cada evento sempre chega à mesa de trabalho como uma profusão de detalhes, pessoas, lugares, cores.
Desta vez, tratava-se do assassinato de um senhor de sessenta anos de idade na cidade de Flores, na Guatemala. O autor do crime, outro senhor, seu amigo, de muitos anos. O redator escreve. Divide o texto em três curtos parágrafos. O primeiro, menciona o crime em si, e o fato de tanto assassino, quanto assassinado, serem originalmente amigos. O segundo, explica que o crime se passou durante um jantar para o qual um deles teria convidado o outro, e que teria havido uma discussão durante o jantar. Acometido de súbito por um extremo de raiva, um deles saca uma arma, mata o amigo, e depois, tomando consciência do que tinha feito, se mata.
O terceiro parágrafo, finalmente, dá conta da posição dos corpos, ambos debaixo da mesma mesa, sobre a qual permaneceram, esfriando, os pratos de comida.
Apenas isso, resumido a nove e breves linhas. E a curiosa escolha de se concluir a redação da notícia com detalhes, tido como absolutamente fundamentais – e de fato, por que não o seriam? – sobre a posição dos corpos após o evento, sobre a comida desprovida de maneira inesperada daqueles a quem serviam, abandonadas ao relento, subitamente inutilizadas pelas intempéries do humor alheio.
Sim, era isso, o abandono da comida a própria sorte. A comida, o símbolo da amizade, nada poderiam fazer a não ser, esfriar diante da cena que presenciavam. Era uma alegoria para a vida, quem sabe. O redator não poderia perdê-la. Talvez. Ou talvez fosse somente a pressa do redator. “Tinha de filtrar os fatos, e o tempo, era curto”, ele pensa, como que desculpando a si próprio após a publicação.
Mas o mais provável é que não houvesse mais o que dizer. A vida é simples como a morte. Amizades há por todos os cantos, e não cabe descrever, a essa altura, o que pode ou não unir ou separar dois amigos entre si. E a raiva, a raiva é essa coisa que se pode tudo, menos explicar. O que mais resta, senão descrever, do que era, a imagem do que ficou? O redator, finalmente, pensa que para isso bastaria um bom fotógrafo. Após alguns instantes, porém, reflete. Ainda bem que, ao menos, algumas fotos não podem ser publicadas.